A Grande Noite

Naquela tarde Fernanda estava radiante, mal havia chego no salão e todos já notaram o seu semblante alegre, uma felicidade que não se continha dentro dela, afinal, após quatro anos de namoro, hoje o seu relacionamento subiria para o próximo nível: o noivado. Então ela tinha que estar o mais linda possível para a ocasião, nada podia dar errado, afinal a espera por aquele momento foi enorme, por este motivo ela pediu dispensa do trabalho e, logo no começo do dia, foi comprar um vestido novo para ocasião, depois um sapato e por fim um colar e brincos. No salão de beleza ela ficou nada menos que quatro horas seguidas, tudo para que seu cabelo, unhas e maquiagem estivessem impecáveis, ela só saiu de lá quando tudo estava a seu contento, ou seja, perfeito.

“Nossa, Fe. Você está ma-ra-vi-lho-sa” – diz sua amiga e fiel escudeira, Amanda.

“Vira esse seu olho gordo pra lá, Amandinha” – responde Fernanda. “Hoje nada pode dar errado está ouvindo?”

“Que isso, Fe. Do jeito que você fala até parece que eu estou te agourando” – contrapõe Amanda.

“Vai saber, você vive reclamando do Rob pra mim” – ressalta Fernanda.

“Ah, mas tirando a total falta de senso, o talento dele para bagunçar as coisas e o fato de não levantar o assento do banheiro, tirando isso, ele é um bom marido” – esclarece Amanda.

“Sei, tirando os defeitos ele é perfeito” – conclui Fernanda com o seu sarcasmo.

“Ha... Ha... Muito engraçado.” – rebate Amanda com ironia. É então que as duas entram no carro e partem para a casa dos pais de Fernanda, o local do pedido, é lá que a futura noiva passa mais algumas horinhas organizando todo o evento com a ajuda da amiga e da mãe, até que a noite chega e os convidados também começam a chegar, acontece que, tanto o pai de Fernanda, o irmão mais velho dela, como também o seu futuro noivo, são figuras importantes da política local e, aproveitando da ocasião, convidaram interesses políticos para tratar de possíveis novas alianças. A casa logo fica cheia, e o coquetel começa, mesmo assim, Fernanda não consegue localizar o noivo, contudo vê uma roda de conversa com o seu pai no meio e decide entrar nela para questiona-lo.

“Ah, mas que pena o imperador não poder vir” – lamenta uma velha senhora.

“A senhora sabe como é nosso imperador, não sabe? Provavelmente deve estar virando a noite cobrando resultados dos estudantes de tecnologia” – diz um outro senhor, tendo sua fala seguida da gargalhada do grupo.

“Nossa majestade tem sorte de vivermos em um império, se estivéssemos em uma república ele teria que dar prioridade para nós se quisesse se manter no poder” – critica um outro senhor.

“Senhores... senhoras, me desculpem, mas eu posso roubar o meu pai só um minutinho?” – interrompe Fernanda.

“Pois não, hoje estamos todos aqui a sua disposição, bela noiva” – responde um dos senhores.

“Muito obrigada” – agradece enquanto leva o seu pai para longe do grupo segurando em seu braço.

“Minha filha, devo lhe dizer, você está deslumbrante hoje!” – exclama o pai.

“Obrigada, papai. Mas eu quero saber aonde está o Albert, não dá pra ter noivado sem noivo” – interrompe demonstrando a sua ansiedade.

“Não se preocupe, minha filha. Ele vem, ele está só preparando uma surpresa pra você, uma bela surpresa, confia, você vai gostar muito” – tranquiliza, o pai.

“Pai, eu já estou esperando este dia há quatro anos! O quanto mais rápido eu estiver com um anel no dedo melhor, com ou sem surpresa” – ressalta.

“Não fique assim, minha...” – começa a dizer o pai se interrompendo com uma expressão de desconforto, ele parte em direção à Fernanda, que sai do seu caminho e fica parada olhando para seu rosto:

“Mas o que o Pedro aprontou dessa vez? Por que ele está acompanhado de um guarda?” – questiona.

“O quê... ?” – começa a questionar, Fernanda, sendo interrompida pela sua incredibilidade ao se virar e ver o seu irmão do meio chegando na festa acompanhado de braços dados com uma segurança uniformizada, ela sabia quem era, e sabia que não era uma funcionária ajudando ele, e sim a namorada dele, a namorada de classe baixa que ele tinha decidido apresentar aos pais no mesmo dia do noivado dela, aparentemente.

“Será que ele passou mal? Eu vou lá ver!” – diz o pai.

“Não!” – interrompe, Fernanda. “Deixa que eu vou falar com ele, o senhor pode voltar a falar com seus amigos”

“Certo, mas se as coisas se complicarem me avise” – orienta.

“Pode deixar” – responde antes de sair em disparada na direção do irmão. Um ódio subia desde o pé de Fernanda até a ponta de sua cabeça, como Pedro ousava trazer aquela mulher ali logo hoje, logo no seu dia mais especial? Sua raiva estava mais do que expressa na sua face e no jeito como marchava em direção ao irmão.

“Olá, Fernanda, essa é...” – começa a dizer o irmão apontando para a namorada.

“Pedro Henrique, precisamos conversar. A sós!” – interrompe o puxando para longe, sem nem o deixar terminar a frase.

“Mas... mas o quê foi isso, Fernanda?” – inquire Pedro, após entrarem em um escritório.

Fernanda serra os punhos, como se fosse esmurrar o irmão, mas se controla, ela então aponta o dedo em seu rosto e começa a falar: “Como você ousa fazer isso comigo? Trazer essa mulher aqui logo hoje? E ainda por cima vestida daquele jeito? Como se o jantar de hoje fosse uma confraternização no subúrbio? Você quer me arruinar, Pedro Henrique. Só pode” – acusa, ela então dá um suspiro, coloca a mão sobre a face e continua: “Você vai fazer o seguinte: pega essa... mulher... e sai, depois você volta sem ela. Sim, a família tem que estar toda aqui, então você é indispensável. Você chama um táxi pra ela e a despacha, aí eu invento alguma história pro papai”

“Não” – responde.

“Não?! Como assim, não?” – questiona em tom intimidador. “Pedro Henrique, você vai fazer o que eu estou te falando agora! Você não vai estragar o meu pedido de noivado! Eu não lhe dou esse direito! Está me ouvindo? Vai lá agora e some com essa coisa que você trouxe aqui!”

“Não, eu não vou fazer isso com ela” – se impõe.

“Você não vai fazer isso com ela, Pedro Henrique? Não vai? E comigo, que sou sua irmã? Você vai fazer isso comigo? Com a sua família?” – se indigna.

“Família? E aonde estava a família quando eu mais precisei, hein? Aonde vocês estavam? Naquele dia eu procurei todos vocês, todos! E todos estavam muito ‘ocupados’, nem a mamãe foi ficar ao meu lado. Eu...” – vai contando até que lágrimas começam a cair de seus olhos. “Eu nunca me senti tão sozinho como naquele dia, tão desolado, a minha angústia estava maior que minha vontade de viver, se ela não tivesse intervindo... eu nem estaria mais aqui” – conta se emocionando. “Ela foi a única que se importou comigo naquele dia, e fez toda a diferença!”

“Ah, para de drama, Pedro Henrique. Você sabe muito bem que nós temos compromissos, não somos suburbanos que só vivem pra ser massa de manobra, nós fazemos a diferença no mundo, nós temos a mão no destino da humanidade. E você é um de nós, é um Suevita, você caiu, mas tem a força para se levantar e dar a volta por cima” – rebate, Fernanda.

“Nada disso que você está falando teria valor algum se não fosse por ela, se não fosse por ela nem estaríamos tendo esta conversa” – afirma.

“Pedro, você tem que enxergar as coisas como elas realmente são, você é da classe alta, um privilegiado, os suburbanos se matam de trabalhar sonhando que seus netos possam ter metade das oportunidades que você tem hoje, então você não pode arriscar tudo isso, o nosso nome, por uma oportunista barata que deu a sorte de estar na hora certa e no lugar certo. Eu sei, eu disse que iria ajudar você a contar para os nossos pais sobre o seu romance, mas o certo mesmo é você esquecer tudo isso e voltar a viver a sua vida, se reconstruir” – aconselha, Fernanda.

“Nossa, você não entende nada mesmo, como pode alguém de quase trinta anos viver em uma bolha deste jeito? Fico triste em saber que, se você continuar assim, provavelmente nunca conhecerá o amor real, o amor espontâneo e verdadeiro, sem interesses. Pode deixar, eu vou levar ela para outro lugar, mas eu não vou voltar, não quero ‘estragar’ a sua noite. Até mais” – diz enquanto sai do escritório.

“Pedro Henrique!” – exclama, Fernanda, mas o seu irmão sai da sala antes que possa falar mais alguma coisa com ele, ela então coloca os dedos indicador e médio da mão direita na têmpora e pensa: “Mas que coisa, um cara com mais de trinta anos nas costas e ainda com sentimentalismo barato... Que seja, melhor assim, antes sem ele do que com aquela baixa-renda por aí, qualquer coisa eu invento uma desculpa dizendo que ele não estava passando bem”. E assim a noite continua...

1671, Fulguras

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