Flores para Mercela

Era uma manhã fria de inferno, Richter acordou com o despertar sonoro do alarme que ficava ao seu lado da cama. Ainda sonolento ele se sentou e desligou o alarme com a mão direita, enquanto passava a esquerda sobre a base da testa, cobrindo a face, em uma tentativa inútil de diminuir o sono que sentia. Aos poucos ele começou a despertar e, quando se deu conta, percebeu que Mercela, sua esposa, não estava mais na cama. Intrigado, ele se levantou e saiu do quarto, passou pelo corredor e pela sala, ainda sem conseguir uma pista do paradeiro dela. Ele segue por mais um corredor, parando na beirada da porta da cozinha, que estava aberta. Sem entrar ou fazer qualquer barulho ele observa sua esposa preparando o café da manhã, a mesa já estava posta com a maioria dos pratos, contudo, ele notou que agora Mercela estava fazendo panquecas, suas favoritas de azulon(blueberry), deu um sorriso e voltou silenciosamente para o quarto, tomou um banho rápido, se vestiu e, ao voltar para o quarto, abriu a gaveta do criado mudo, retirando um estojo preto de dentro dela. Fez novamente o caminho até a cozinha e, ao chegar lá, viu que o café da manhã já estava pronto e que Mercela estava lá, sentada à mesa, distraída praticando uma partitura em seu piano virtual. Richter dá duas batidas leves na porta, chamando a atenção dela, que o olha e dá um sorriso: "Bom dia!" - diz ela.
"Bom dia!" - retribui Richter, se aproximando da mesa, escondendo o estojo nas costas. "Pronta para o seu grande dia?" - pergunta.
"Na verdade estou um pouco... muito nervosa" - responde completando com um riso forçado. "Aproveitei que estava sem sono e preparei um café para nós"
"É, percebi" - diz fazendo uma cara debochada de admiração, ainda sem deixá-la ver o estojo. "Você fez até panquecas, olha" - complementa enquanto dá a volta na mesa e se posiciona atrás da cadeira dela.
"Isso, engraçadinho" - indaga Mercela rotacionando o tronco de lado e se apoiando na cadeira. "Viu só? Até em meio a uma pilha de nervos ainda penso em você"
"Eu sei disso" - fala Richter de forma suave, trazendo aos poucos o estojo à visão de Mercela. "Mas o que você não sabe é que eu também vivo pensando em você!" - completa oferecendo o estojo para ela.
"O que é isso?!" - se espanta Mercela.
"Abre" - sugere Richter.
Mercela então abre o estojo e, ao ver o conteúdo, se espanta e leva as mãos à boca: "Pelos deuses! Richter Turion!" - exclama. "Este colar custa mais de cem mil créditos!"
"Eu sei, e na época que vimos ele não podíamos comprar, mas agora ele é todo seu" - declara Richter.
Ela salta da cadeira, o abraça e o enche de beijos. "Richter, seu maluco. Como vamos poder pagar por isso?" - se preocupa.
"Não se preocupe com isso, esse negócio de AGENTE acabou até que se tornando lucrativo no final das contas, o império está botando muito incentivo agora" - acalma Richter. "E você merece algo de especial nesse dia histórico"
"Acho que faz quase quinze anos que nós vimos esse colar, e você lembrou?! Nós nem éramos casados na época, éramos adolescentes ainda" - exclama Mercela com o colar nas mãos.
"E ele ficou este tempo todo te esperando, era o destino afinal" - diz Richter colocando suas mãos sobre os ombros dela. "Quer que eu o coloque no seu pescoço?"
Mercela entrega o colar para Richter, que começa a colocá-lo no pescoço dela. "Eu não acredito nisso, isso é simplesmente incrível"
"Pronto" - informa Richter.
Mercela liga o espelho do seu computador sobre a mesa e se admira com o colar.
"Não sei se é possível, mas você parece estar ainda mais linda" - elogia Richter.
Ela se vira e segura as mãos dele: "Obrigada" - se comove Mercela. "Obrigada por todo o apoio, por sempre estar junto de mim" - agradece olhando nos olhos dele.
"Me desculpe por não poder estar ao seu lado no concerto hoje, é o seu primeiro grande concerto aqui em Fulguras. Eu queria estar junto de você" - fala acariciando as mãos dela.
"Eu sei, nós dois estamos com agendas muito conflitantes nesses últimos meses" - relembra Mercela. "Mas o tempo que passamos juntos significa o mundo para mim"
Os dois se beijam intensamente. Após o beijo eles ainda permanecem abraçados, olhando um para o outro: "Que tal eu te pegar no teatro após a sua apresentação?" - sugere Richter. "Eu já vou ter acabado meu trabalho até lá, podemos jantar fora. O que acha?"
"Seria perfeito" - responde Mercela.
"Então está combinado" - diz Richter.
Os dois então terminam o café da manhã juntos e se despedem quando vão para seus respectivos compromissos. À noite, no caminho para o teatro, Richter passa em uma loja de flores. Ele decide levar um buquê para Mercela, algo para tornar o seu dia ainda mais especial, ele pede ajuda para a vendedora da loja e acaba levando um buquê de lírios brancos que, segundo ela, combinavam perfeitamente com as imagens de Mercela que Richter a mostrou nas fotos. Ele então guarda o buquê no carro e segue até o teatro, chegando lá, sai do veículo com as flores na mão e segue até o camarim da esposa. Ao se aproximar da porta do camarim ele se impressona com a quantidade de gente no local, a princípio pensa que devem ser fãs, mas então nota que alguns ele já tinha visto antes, eram os colegas de Mercela e representantes dos patrocinadores. Ao ver ele se aproximando, a empresária dela vem ao seu encontro: "Richter, graças a Odin você chegou!" - diz aliviada.
"O que está acontecendo aqui?" - questiona Richter. "Aonde está a Mercela?"
"Ela está trancada no camarim e se recusa a falar com a gente" - esclarece a empresária. "Talvez você ela escute"
"Mas o quê aconteceu?"
"Ninguém sabe ao certo. Ela começou a falhar na hora do concerto, algo totalmente fora do comum, até que chegou em uma parte que ela simplesmente parou de tocar de vez, tivemos que substituir ela às pressas. Desde então está trancada aí" - explica.
Richter então vai até a porta e bate nela.
"EU NÃO QUERO FALAR COM MAIS NINGUÉM! ME DEIXEM EM PAZ!" -grita Mercela.
"Amor, sou eu, Richter. O que aconteceu?" - questiona.
Um silêncio toma conta do ambiente por alguns instantes, até que ela abre a porta. Richter então entra no camarim.
"Fecha a porta, por favor" - diz Mercela com o rosto inchado das lágrimas que ainda escorriam de seus olhos.
Richter se vira, fecha a porta e vai ao encontro da esposa: "O que houve? Por que você está trancada aqui?" - questiona. Ela começa a chorar, ele se aproxima ainda mais e a abraça: "Não se preocupe, eu estou aqui com você, eu vou ficar aqui até passar"
Mercela chora um pouco mais em seus braços, ele tenta acalmá-la. Depois de um tempo, ela então conta o que aconteceu: "Foi horrível Richter! Do nada minhas mãos, meus dedos, começaram a falhar. Eles começaram a falhar e eu não conseguia mais tocar, eu tentava, mas não conseguia, eles estavam travados, até que o pulso travou de vez. Eu não sei o que aconteceu... eu não sei, foi desesperador" - diz em prantos. "Foi desesperador, minhas mãos não estão mais mexendo. Eu não consigo mais mexê-las" - revela.
"Calma! Isso não é nada, deve ser algo da sua cabeça" - elucida Richter. "Você estava muito ansiosa para este espetáculo, a sua mente está pregando peças em você" - completa.
"Você acha?"
"Claro! Vamos fazer o seguinte: amanhã bem cedinho eu te levo em um médico e você vai ver, ele vai comprovar tudo isso que eu disse. Logo, logo você volta a tocar suas lindas músicas de novo" - diz sorrindo. "Agora se acalma, eu estou aqui com você" - completa a aconchegando em seu peito e dando um beijo em sua cabeça.
"Obrigada, Richter. Sabia que podia contar com você" - responde Mercela com a voz mais calma. "Eu te amo"
"Eu te amo também" - corrobora Richter.
Após alguns minutos, o casal sai do camarim. Mercela pede desculpas aos seus colegas e explica o ocorrido. Eles voltam para a casa e, no dia seguinte, como Richter havia prometido, vão até um médico clínico geral para que ele pudesse efetuar o diagnóstico da condição de Mercela, todavia, por não ser especialista, o doutor pede um exame e a encaminha para uma consulta com um profissional mais capacitado no âmbito de articulações. Neste meio tempo, Mercela recupera os movimentos das mãos e retoma aos poucos sua carreira.
Após duas semanas de sua última consulta, o casal volta até o hospital para a consulta com especialista que, nesse momento, já estava de posse do resultado dos exames realizados. O médico, com muita cautela, revela a condição de Mercela: ela possui uma doença degenerativa rara, ainda mais para a sua idade, que causou a paralisia de seus membros naquela ocasião. O doutor revelou que, mesmo tendo recuperado o movimento das mãos, sua condição é crônica e, mesmo com tratamento, ainda não existe cura para esta doença e pouco se pode fazer até mesmo para atrasar o seu avanço. Sendo assim, ele deu um período de quatro à oito anos até a doença estar totalmente desenvolvida e o corpo de Mercela ficar completamente paralisado, ocasionando seu óbito.
O casal sai devastado do consultório, Richter tenta consolar a esposa, ele promete estar sempre ao seu e que irá procurar um modo para reverter aquela situação, ela apenas o abraça e chora, seus sonhos arruinados, ele então segura a sua cabeça e, olhando em seus olhos, promete fazer tudo ao seu alcance para encontrar uma cura. Desse dia em diante, toda a semana, Richter passou a levar um lírio para Mercela, uma forma de mostrar para ela que ainda mantém sua promessa...
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